E se um dia fossemos só pessoas
Ser é mais do que ser homem ou mulher.
E se um dia fossemos só pessoas? Era tudo tão diferente!
Hoje de manhã acordei com uma mensagem no meu telemóvel. Era da minha irmã e dizia:
"Feliz dia da mulher! Carinho." E acrescentava uma bela foto com amores perfeitos, que eu adoro.
Acordei feliz, ao lado de quem tanto amo e que me enche sempre de beijos pela manhã e me deixa tão confiante, sentindo-me um ser de amor... O suficiente para pular da cama com outro entusiasmo. Aliás, para quem me conhece, acredito que este seja o remédio para não chegar tão atrasada ao trabalho (agora chego quase sempre 5 minutos depois, estou a evoluir).
Mas hoje a manhã era diferente das outras manhãs... a rotina era outra.
Primeiro: tempo para o alimento do corpo. Ainda em partilha de olhares e gestos extremamente subtis e tão densos de sentido e sentimento. E depois uma dose de cafeína, acrescida com mais uma dose de mimos para adoçar o café, sempre sem açucar, que o pó branco mata a gente.
Segundo: tempo para criar. E fui dedicar-me à cozinha. Uma tarefa que gosto de fazer. Quanto mais puder inventar e criar, mais prazer me dá. Preenche-me por dentro porque sinto que cumpro uma tarefa importante: nutrir e se possível dar uma certa sensação de prazer pelos sabores, aromas e texturas. Às vezes penso que podia dedicar-me a esta arte tão nobre... mas já são tachos a mais para um ser só. Enfim! Ainda não pus completamente de parte esta ideia. Afinal, parece que agora desapareceram as profissões e somos pessoas com competências (mais ou menos competentes), por isso quantas mais melhor.
Terceiro: tempo para repor energia. O que mais gosto na arte de cozinha é que a seguir vou poder degustar, quase sempre em conjunto, e brindar com um copo de vinho, se possível, e celebrar os prazeres da vida terrena, que se é para viver por cá, ao menos que seja com prazer. Tão simples e tão repleto de presença, de sentido de vida, daquilo que nos preenche por dentro e nos faz ser pessoas com necessidades.
Quarto: tempo para produzir. Depois desta tarefa tão simples e ao mesmo tempo tão essencial fui até ao meu atual local de trabalho dedicar-me novamente a uma tarefa que implica pessoas. A minha missão é nutri-las e se possível devolver-lhes confiança, segurança e ferramentas para se safarem num mundo por vezes tão desafiador. Às vezes gostava que a minha tarefa fosse mais facilitada por uma série de outros fatores de influência e condicionantes que não domino... Mas é o que eu gostava!
Nesta tarefa tenho momentos de reflexão, ou pelo menos que deveriam ser o mais reflexos possíveis para que o trabalho a seguir seja produtivo e construtivo. Nestas reflexões sinto-me quase sempre muito mais perdida do que encontrada. Tentar compreender a complexidade de cada ser é tão (im)possível! O que serve para mim não serve para mais ninguém! O que eu quero ser só pertence a mim e ao outro pertence o que ele quer ser. Parecem palavras tão simples mas são mundos tão perplexos - sim perplexos é de propósito pelo estado em que nos deixam. Porque depois vêm os julgamentos... e é tão complicado trabalhar em conjunto. Só me apetece dizer uns ais. Mas tenho sempre a aprender, e o meu foco tem de ser esse e não outro. O que quero aprender com esta pessoa que hoje veio ao meu encontro dizer-me que estou despenteada? Como se eu não estivesse sempre despenteada, com estes caracóis desgovernados. Mas foi hoje que ela me disse exatamente isso e se eu reparei e de alguma forma mexeu comigo o que terá a dizer sobre mim? Estou mais sensível? Auto-estima em queda livre? ou simplesmente desgovernada? Bem me dizem os meus pais para eu poupar, mas parece que eu não aprendi bem essa lição.
Quinto: tempo para mim. Sabe tão bem esta parte do dia. Sou só eu comigo mesma. E faço as loucuras que me apetece. Às vezes fico comigo a vaguear pelo espaço... e perco-me no tempo até me chamarem de volta à terra. E depois vem o tem de ser. Mas enquanto dura e consigo conter-me na minha dedicação a mim mesma, quero aproveitar bem. Sim! Às vezes também não tenho paciência comigo, não quero olhar para mim, não quero passar tempo comigo, não quero ter nada a ver comigo. Porque isto de ser responsável porque quem sou (e/ou quero ser) dá cá uma trabalheira! Mas compensa. E o saldo é muito positivo.
Sexto: tempo para regressar ao ninho. Posso dizer que nesta fase da minha vida este é o melhor momento do meu dia. No meu ninho encontro uma parte de ser que me preenche e me aconchega de uma forma muito carinhosa e muito perfeita. É quase que como um espaço sagrado... quando entro descalço-me, literalmente e sempre que consigo dispo-me do que trago de fora e concentro-me nos seres sagrados que encontro. Às vezes gostava que fosse só um! Mas encaro como uma extensão do outro ser - uma missão a cumprir. E fica mais simples e mais certo. E sou simplesmente eu e sempre que possível despida e depois... bem depois...
Sétimo: tempo para o descanso da guerreira. Esta parte do meu dia costuma ser a mais fácil de atingir. Dura quase frações de segundo. Quando dá para desligar o botão vou que nem um carneiro manso para o meu mundo dos sonhos. Eu gosto tanto desta parte do meu dia. Já quem dorme comigo reclama um bocadinho.
Em sete tempos do meu dia fui tanta coisa, tantos papéis.
Em sete tempos do meu dia cumpri tarefas, fiz promessas, atendi necessidades, encontrei pessoas, as mesmas e tantas outras...
Em sete tempos do meu dia fui mulher.
Em sete tempos do meu dia nem sempre me senti mulher.
Em sete tempos do meu dia tenho a certeza de ser pessoa e de ser eu.
A Teresa para a uns,
A Susana para outros
A doutora para outros tantos
O anjo para um ser lindo e especial.
Sempre eu.
Esta é a minha homenagem ao ser de luz que sou e que me sinto neste momento. Nesta vida em forma de mulher para aprender alguma coisa que confesso às vezes fica difícil de entender pelo desfasamento de sentimentos, como se o molde tivesse sido trocado.
Esta é a minha mensagem para quem quiser ler. Ser é mais do que ser homem ou mulher. E se um dia fossemos só pessoas? Era tudo tão diferente! Eu tento e sinto que fica muito mais fácil entender e viver.